Desiderio, de Ricardo Marques Dezembro 1, 2022
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COMENTÁRIO
⭐⭐⭐⭐⭐
“Desiderio”
Ricardo Marques
Uma poética de corpo, de desejo, de ternura – por vezes -, mas essencialmente uma poética carnal.
Poemas cheios de si, de eu. Poemas que cruzam, intertextualmente, com outros que no corpo e no desejo partilham o sentido com o ente poético.
Textos a que o leitor atentamente tem vontade de voltar.
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lembrar David Mourão Ferreira Fevereiro 24, 2021
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David Mourão-Ferreira (Lisboa, 24 de fevereiro de 1927 — Lisboa, 16 de junho de 1996) foi um escritor e poeta português. Aqui fica um poema seu para o lembrar na sua data de nascimento. E já agora, não deixem de ler o romance “Um amor Feliz”.
Nem o Tempo tem tempo para sondar as trevas deste rio correndo entre a pele e a pele Nem o Tempo tem tempo nem as trevas dão tréguas Não descubro o segredo que o teu corpo segrega David Mourão Ferreira Obra Poética
Dorme, meu amor, que o mundo já viu morrer mais este dia e eu estou aqui, de guarda aos pesadelos. Fevereiro 16, 2021
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Dorme, meu amor, que o mundo já viu morrer mais
este dia e eu estou aqui, de guarda aos pesadelos.
Fecha os olhos agora e sossega o pior já passou
há muito tempo; e o vento amaciou; e a minha mão
desvia os passos do medo. Dorme, meu amor –
a morte está deitada sob o lençol da terra onde nasceste
e pode levantar-se como um pássaro assim que
adormeceres. Mas nada temas: as suas asas de sombra
não hão-de derrubar-me eu já morri muitas vezes
e é ainda da vida que tenho mais medo. Fecha os olhos
agora e sossega a porta está trancada; e os fantasmas
da casa que o jardim devorou andam perdidos
nas brumas que lancei ao caminho. Por isso, dorme,
meu amor, larga a tristeza à porta do meu corpo e
nada temas: eu já ouvi o silêncio, já vi a escuridão, já
olhei a morte debruçada nos espelhos e estou aqui,
de guarda aos pesadelos a noite é um poema
que conheço de cor e vou cantar-to até adormeceres.
Maria Do Rosário Pedreira
(pmr) Amo-te nesta ideia nocturna da luz nas mãos Janeiro 3, 2021
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Amo-te nesta ideia nocturna da luz nas mãos
Amo-te nesta ideia nocturna da luz nas mãos
E quero cair em desuso
Fundir-me completamente.
Esperar o clarão da tua vinda, a estrela, o teu anjo
Os focos celestes que a candeia humana não iguala
Que os olhos da pessoa amada não fazem esquecer.
Amo tão grandemente a ideia do teu rosto que penso ver-te
Voltado para mim
Inclinado como a criança que quer voltar ao chão.
Daniel Faria
“Poesia”, Assírio & Alvim, Porto, 2012, p. 245
(pmr 34) ode à mentira Março 6, 2019
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Crueldades, prisões, perseguições, injustiças,
como sereis cruéis, como sereis injustas?
Quem torturais, quem perseguis,
quem esmagais vilmente em ferros que inventais,
apenas sendo vosso gemeria as dores
que ansiosamente ao vosso medo lembram
e ao vosso coração cardíaco constrangem.
Quem de vós morre, quem de por vós a vida
lhe vai sendo sugada a cada canto
dos gestos e palavras, nas esquinas
das ruas e dos montes e dos mares
da terra que marcais, matriculais, comprais,
vendeis, hipotecais, regais a sangue,
esses e os outros, que, de olhar à escuta
e de sorriso amargurado à beira de saber-vos,
vos contemplam como coisas óbvias,
fatais a vós que não a quem matais,
esses e os outros todos… – como sereis cruéis,
como sereis injustas, como sereis tão falsas?
Ferocidade, falsidade, injúria
são tudo quanto tendes, porque ainda é nosso
o coração que apavorado em vós soluça
a raiva ansiosa de esmagar as pedras
dessa encosta abrupta que desceis.
Ao fundo, a vida vos espera. Descereis ao fundo.
Hoje, amanhã, há séculos, daqui a séculos?
Descereis, descereis sempre, descereis.
Jorge de Sena
(pmr33) a solidão dos homens cansados Janeiro 9, 2019
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The Tired Man (c.1956) Robert Dickerson
A
cada dia que passa me sinto mais fatigado. Um
homem procura ternura
no seu regresso a casa (um
homem não vê o instante em que despe
o ultraje) quando
sai de pés descalços pelo soalho da tarde em
busca de um
copo de olvido. Um homem conhece a casa
pelo gato à janela –
duas pupilas acesas sentam-se
à mesma mesa
sentam-se à mesa da alma. E a casa recebe o homem
com uma noite sempre nova
(um homem entrega tudo a quem o
salve do exílio)
quem lhe aplaque a solidão que existe nos
homens cansados.
“Nómada” de João Luís Barreto Guimarães, Quetzal, Lisboa, 2018, pp. 65
o poema é o que no homem para lá do homem se atreve Setembro 13, 2018
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Natália Correia (13/09/1923-16/03/1993)
O poema
O poema não é o canto
que do grilo para a rosa cresce.
O poema é o grilo
é a rosa
e é aquilo que cresce.
É o pensamento que exclui
uma determinação
na fonte donde ele flui
e naquilo que descreve.
O poema é o que no homem
para lá do homem se atreve.
Os acontecimentos são pedras
e a poesia transcendê-las
na já longínqua noção
de descrevê-las.
E essa própria noção é só
uma saudade que se desvanece
na poesia. Pura intenção
de cantar o que não conhece.
Natália Correia, em “Poemas”. 1955.
(pmr) … nada quero, tudo enjeito, o maior bem me aborrece… Junho 19, 2018
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Nada quero, tudo enjeito,
o maior bem me aborrece,
o prazer me entristece
e o viver, porque é sujeito
a quem dele assim se esquece:
se morro acaba o mal,
fim não queria ver;
se vivo, o padecer
desta dor é tão mortal
que me não posso valer.
(poema anónimo português do século XVI)
FUNERAL BLUES Março 19, 2018
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FUNERAL BLUES
Parem todos os relógios, desliguem o telefone,
Não deixem o cão ladrar aos ossos suculentos,
Silenciem os pianos e com os tambores em surdina
Tragam o féretro, deixem vir o cortejo fúnebre.
Que os aviões voem sobre nós lamentando,
Escrevinhando no céu a mensagem: Ele Está Morto,
Ponham laços de crepe em volta dos pescoços das pombas da cidade,
Que os polícias de trânsito usem luvas pretas de algodão.
Ele era o meu Norte, o meu Sul, o meu Este e Oeste,
A minha semana de trabalho, o meu descanso de domingo,
O meio-dia, a minha meia-noite, a minha conversa, a minha canção;
Pensei que o amor ia durar para sempre: enganei-me.
Agora as estrelas não são necessárias: apaguem-nas todas;
Emalem a lua e desmantelem o sol;
Despejem o oceano e varram o bosque;
Pois agora tudo é inútil.
poema com tradução de Maria de Lourdes Guimarães